Para ensinar seus alunos a gostar de ler, um professor precisa do
quê? Material de leitura apropriado para a faixa etária da sua turma,
por certo. Uma estratégia para apresentar esse material aos alunos de
forma atraente e significativa, também. Mas antes de tudo isso, o
professor precisa ler. O problema é que esse personagem, o professor
leitor, não é facilmente encontrado nas escolas brasileiras. As
políticas de formação de leitores devem atentar para essa questão, para
poder garantir, assim, mais finais felizes.
Como os brasileiros em geral, os educadores demonstram dificuldades
para adquirir e manter o hábito da leitura. "Mesmo os professores de
literatura e da área da língua portuguesa nem sempre são leitores
bastante frequentes", diz Regina Zilberman, professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora nas áreas de
literatura infantojuvenil e formação de leitores. "Eles têm uma
intermitência de leituras por várias razões, que não são irrelevantes:
falta de tempo, falta de oportunidade, uma má formação como leitor."
O perfil docente é muito semelhante ao do leitor brasileiro, segundo a
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto
Pró-Livro. Gerente-executiva de Projetos do instituto, Zoara Failla
conta que a análise em separado das respostas dadas pelos participantes
que se identificaram como educadores confirma a impressão de que nossos
professores são não leitores. "Só 30% deles dizem que gostam de ler",
diz.
Embora a amostra específica de educadores na pesquisa seja pequena, o
que impede generalizações, o esboço revelado por esta análise
particular é preocupante. Inclusive porque o próprio estudo, realizado
em 2011, mostrou que o docente é o principal influenciador dos hábitos
de leitura. "O professor sempre foi uma figura influente, ao lado da
família, mas na última pesquisa, ele foi mais citado por aqueles que
gostam de ler, ultrapassando a mãe como influenciadora do hábito",
relata Zoara. Para a socióloga, esse resultado é bastante compreensível
considerando o perfil brasileiro. "É uma família não leitora, de baixa
escolaridade, que não tem livros na sua casa, que trabalha o dia todo e
não tem tempo para o lazer e a leitura, o que acaba reforçando o papel
da escola na formação de leitores."
"Se o professor não é leitor, ele não vai formar leitores", afirma
Regina Zilberman. "Um professor de artes não precisa ser um artista, mas
deve apreciar arte. O mesmo vale para o professor da área de línguas em
relação à leitura de obras literárias."
Formação
O desafio imposto às redes de ensino que assumem para si a tarefa de fazer da escola um lugar de formação de leitores é, primeiro, fazer com que os professores passem à categoria de leitores. De certa forma, as estratégias não diferem muito das que devem ser adotadas entre os estudantes: é preciso oferecer livros e criar momentos para que a leitura seja praticada de forma prazerosa e significativa.
O desafio imposto às redes de ensino que assumem para si a tarefa de fazer da escola um lugar de formação de leitores é, primeiro, fazer com que os professores passem à categoria de leitores. De certa forma, as estratégias não diferem muito das que devem ser adotadas entre os estudantes: é preciso oferecer livros e criar momentos para que a leitura seja praticada de forma prazerosa e significativa.
Para Regina, não é necessário sequer muito investimento, considerando
que, hoje, já existem políticas de distribuição de livros para as
escolas, como o Plano Nacional Biblioteca da Escola e o próprio Plano
Nacional do Livro Didático. Trata-se de racionalizar iniciativas de
forma a aproveitar aquilo que a escola já pode oferecer para os alunos e
para os professores. A pesquisadora da UFRGS dá um exemplo simples: os
docentes podem ser incluídos como público-alvo das atividades que são,
originalmente, pensadas para os alunos, como, por exemplo, a visita de
um escritor à escola. "O professor é, ao mesmo tempo, interessado,
parceiro e beneficiário dessas atividades", diz ela.
É preciso também abrir espaço nas rotinas escolares para que ele
tenha oportunidade de expressar suas dificuldades com a leitura e expor
suas necessidades. "Pode ser penosa a declaração 'eu tenho de dar aula
de literatura, mas odeio esse negócio', mas tem de ser feito", afirma
Regina. Este é um primeiro passo para desmistificar a leitura literária
também entre os professores.
Um dos mitos a serem superados é o da dificuldade de ler o cânone. O
professor, como qualquer outro leitor, não é obrigado a achar fácil ler
Machado de Assis ou Guimarães Rosa, mas reconhecer essa dificuldade
permite que ele procure maneiras de lidar com suas limitações. Outro é a
superação da linha imaginária que separa a literatura infantojuvenil da
literatura para adultos. Para além de simplesmente conhecer os textos
que está dando para os alunos lerem, o professor precisa ler e gostar
daquilo que está apresentando. Como lembra Regina, livro bom é para todo
mundo.
Trajetórias de leitura
As experiências exitosas mostram que também a formação dos professores como mediadores de leitura precisa partir, justamente, do despertar dele para a importância da leitura na sua própria vida. E as estratégias para isso são, como apontou Regina, simples e semelhantes ao que é realizado com os alunos. Em Mogeiro, na Paraíba, foi montado um grupo permanente de formação de mediadores de leitura, chamado Doutores da Educação. As formações, previstas no Plano Municipal do Livro e da Leitura, são realizadas a cada três meses com todos os professores da rede municipal e incluem momentos para que os professores relatem suas experiências de leitura. "Eles contam que, a partir do momento em que começaram a ler para incentivar os alunos, eles também foram criando o gosto pela leitura", lembra a secretária municipal de Educação, Maria de Fátima Silveira.
As experiências exitosas mostram que também a formação dos professores como mediadores de leitura precisa partir, justamente, do despertar dele para a importância da leitura na sua própria vida. E as estratégias para isso são, como apontou Regina, simples e semelhantes ao que é realizado com os alunos. Em Mogeiro, na Paraíba, foi montado um grupo permanente de formação de mediadores de leitura, chamado Doutores da Educação. As formações, previstas no Plano Municipal do Livro e da Leitura, são realizadas a cada três meses com todos os professores da rede municipal e incluem momentos para que os professores relatem suas experiências de leitura. "Eles contam que, a partir do momento em que começaram a ler para incentivar os alunos, eles também foram criando o gosto pela leitura", lembra a secretária municipal de Educação, Maria de Fátima Silveira.
A metodologia foi, em parte, herdada do projeto Ler: Prazer e Saber,
realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária (Cenpec) em parceria com os institutos Camargo Corrêa e
Alpargatas. Mogeiro participou do projeto, cujo objetivo era a formação
de professores para atuarem como mediadores e agentes multiplicadores de
ações de incentivo ao hábito da leitura. Grupos de educadores
participaram de diferentes ciclos de formação ao longo de dois anos.
Segundo Maria Cecília Félix Godoy, pesquisadora do Cenpec, o grande
desafio do projeto é motivar e incentivar o professor para que ele
próprio "se encante pela leitura". "Se ele não for um leitor, não vai
ser um bom mediador de leitura", diz. A primeira ação deve ser,
justamente, retomar a trajetória de leitura desses professores, para que
eles percebam como o livro e a literatura fazem parte da sua vida.
"Muitos relatam que gostavam de ler e, de repente, passaram a não ler
mais."
Feito isso, a formação aposta na apresentação de diversos gêneros aos
educadores, tanto os que eles irão trabalhar com seus alunos, como
aqueles ditos para adultos. O "medo dos autores difíceis" é uma das
barreiras a serem quebradas. Para isso, os formadores do Cenpec
selecionam os textos considerando o perfil dos participantes, de forma
que eles se identifiquem com o tema ou os personagens da obra. Outra
atividade é uma roda de empréstimo e apreciação: os participantes das
oficinas de formação levam um livro que foi importante para eles e o
apresentam aos demais. "Isso pode motivar outros professores a ler e
também facilita o problema da aquisição de obras", comenta.
Difícil acesso
A dificuldade de acesso ao livro é para os professores, como para muitos brasileiros, uma questão permanente. As características do mercado livreiro, marcado pelas dificuldades de distribuição - como a falta de livrarias em muitos municípios - e o preço relativamente alto do livro, somam-se aos baixos salários docentes para colaborar com a multiplicação do professor não leitor. Zoara, do Instituto Pró-Livro, acredita que seria possível pensar em políticas para superar esta barreira, como um Vale-Livro, semelhante ao Vale-Cultura, criado pelo Ministério da Cultura.
A dificuldade de acesso ao livro é para os professores, como para muitos brasileiros, uma questão permanente. As características do mercado livreiro, marcado pelas dificuldades de distribuição - como a falta de livrarias em muitos municípios - e o preço relativamente alto do livro, somam-se aos baixos salários docentes para colaborar com a multiplicação do professor não leitor. Zoara, do Instituto Pró-Livro, acredita que seria possível pensar em políticas para superar esta barreira, como um Vale-Livro, semelhante ao Vale-Cultura, criado pelo Ministério da Cultura.
Em Mogeiro, a Secretaria de Educação está apostando na ampliação do
acervo das bibliotecas públicas e escolares, tentando incluir aí também
obras de interesse dos professores. Maria de Fátima explica que, como o
município é essencialmente rural, muitas das escolas estão distantes do
centro e, portanto, da Biblioteca Municipal. Há também planos para que
sejam montadas bibliotecas para os professores em cada escola.
Rodas de leitura
Além disso, outra estratégia simples foi adotada pela rede: o Horário de Trabalho Compartilhado conta com uma roda de leitura. "As supervisoras têm um levantamento de tudo que chega para as escolas, vários tipos de revista, material dos projetos do Ministério da Educação... Percebíamos que eles chegavam e ficavam num cantinho, só de enfeite", diz Maria de Fátima. "Nossa equipe técnica pensou: vamos bolar uma estratégia para mudar isso. E aí surgiu a ideia de, em cada Horário de Trabalho Compartilhado, um professor ou um grupo ficar responsável por ler aquele material e compartilhar aquela experiência - seja revista ou livro de história."
Além disso, outra estratégia simples foi adotada pela rede: o Horário de Trabalho Compartilhado conta com uma roda de leitura. "As supervisoras têm um levantamento de tudo que chega para as escolas, vários tipos de revista, material dos projetos do Ministério da Educação... Percebíamos que eles chegavam e ficavam num cantinho, só de enfeite", diz Maria de Fátima. "Nossa equipe técnica pensou: vamos bolar uma estratégia para mudar isso. E aí surgiu a ideia de, em cada Horário de Trabalho Compartilhado, um professor ou um grupo ficar responsável por ler aquele material e compartilhar aquela experiência - seja revista ou livro de história."
Essa permanente circulação de livros e outros materiais de leitura
seduz os professores que, por sua vez, passam o prazer de ler adiante.
Hoje, as rodas de leitura já são prática permanente em todas as escolas e
algumas atividades ultrapassam os limites das salas de aula. Contação
de história em praças e ações envolvendo as famílias também já são
comuns. As rodas de leitura, aliás, são tão frequentes em Mogeiro que a
secretaria incluiu no Plano Municipal do Livro e da Leitura um "Prêmio
ao Professor Leitor", um reconhecimento aos educadores que mais
promoverem atividades de incentivo à leitura. E, assim, a roda maior da
leitura segue girando, com professores que aprendem a gostar de ler para
ensinar a gostar de ler.
Fonte: http://revistaescolapublica.com.br/textos/41/artigo330282-1.asp
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